Apesar da evolução significativa em sustentabilidade ocorrida nos últimos anos no mercado da construção brasileira, encontramo-nos apenas no início de um processo longo de aprendizado e aprimoramento, especialmente no que diz respeito ao papel do desenho arquitetônico na produção de edifícios de alto desempenho ambiental.
O mercado tem se focado muito na adição de soluções tecnológicas de forma a dotar os edifícios de um caráter mais sustentável. São exemplos disso os sistemas de iluminação e ar-condicionado mais eficientes, captação e reciclagem de águas pluviais, sistemas solares de geração de energia, além de reciclagem e reaproveitamento de resíduos de obra.
Na prática, há uma tendência em se projetar edifícios de maneira convencional e, em seguida, tentar torná-los mais sustentáveis adicionando itens de uma lista de tecnologias disponíveis na prateleira. A envoltória dos edifícios, é particularmente relegada a segundo plano, estando sujeita apenas às variáveis custo capital e partido arquitetônico.
Em países onde a cultura da construção sustentável encontra-se em estágios mais maduros, como os EUA, Inglaterra, Austrália e Alemanha, compreende-se que os verdadeiros diferenciais dos edifícios de alto desempenho sustentáveis são provenientes da etapa de conceituação de projeto, sendo os elementos tecnológicos importantes, porém secundários. Para acompanhar essa tendência, o mercado brasileiro deve passar necessariamente por uma completa revisão na maneira em que concebe seus projetos. Nossa experiência indica que conceber um projeto com a sustentabilidade em mente desde suas linhas iniciais é muito mais eficaz do que tentar adequar tecnologias a um projeto arquitetônico concebido de maneira convencional.
É na prancheta de projeto que elaboramos, por exemplo, as condições ideais para a adequação climática e eficiência energética de edifícios de alto desempenho. O desenho adequado da envoltória é parte fundamental desse processo e deve ser resultado não apenas do conceito arquitetônico ou com base em análise simplista de custo capital, mas fundamentalmente do seu desempenho no que tange a variáveis climáticas e ambientais.
São nas etapas preliminares de projeto que temos a chance de trabalhar junto aos arquitetos, direcionando atenção especial à orientação solar dos edifícios e ao desenho de fachadas, como a primeira linha de defesa contra ganhos térmicos excessivos e como forma de criação de espaços confortáveis e produtivos. Um exemplo clássico disso é o brise soleil, elementos de fachada que protegem panos de vidro contra radiação solar direta. Fazem parte da tradição arquitetônica brasileira e são extremamente necessários às nossas condições climáticas e, no entanto, foram abandonados há muito pelo mercado.
O não-planejamento em edifícios de alto desempenho
Entendo que há três principais razões para não estarmos adotando as melhores práticas para o planejamento necessário para se projetar edifícios sustentáveis:
– (1) Inércia do mercado: há décadas se produz edifícios de alto desempenho que ignoram as variáveis climáticas deixando a cargo das ciências mecânicas o condicionamento dos edifícios.
– (2) A dificuldade em se quantificar os benefícios dessa e outras estratégias durante a etapa de projeto.
– (3) A caracterização do processo de projeto não integrado, típico no mercado brasileiro.
Abordamos a problemática dos pontos 1 e 2 em nossa prática profissional na área de consultoria unindo a criação arquitetônica à ciência da engenharia. Através de análises técnicas e simulações computacionais podemos antever o futuro desempenho das edificações e quantificar os benefícios que cada estratégia de projeto irá trazer consigo. Essa prática contribui gradativamente para o fim da inércia do mercado, pois reduz o risco do incorporador ao prever em projeto os benefícios tangíveis na futura operação dos edifícios.
Nesse sentido, investir no projeto e em consultorias especializadas é portanto bom não apenas para os usuários finais, que se beneficiam com maior conforto térmico, melhor iluminação natural e reduzida demanda energética, mas para o incorporador através da redução de riscos de investimento.
Quanto à problemática do processo de projeto não integrado, exemplifico essa questão com uma questão de projeto. Como se parece, por exemplo, a envoltória de um edifício com alto índice de iluminação natural, porém com reduzida carga térmica (e portanto menos consumo energético de ar- condicionado), se sabemos que em geral esses dois índices de desempenho são inversamente proporcionais? Perguntas como essa são em geral respondidas por mais de uma cabeça e sua resposta está, portanto, associada ao processo integrado de projeto.
Processo integrado de projeto
O planejamento de edifícios sustentáveis exige uma simbiose harmoniosa entre as mentes de arquitetos, engenheiros e construtores. Essa simbiose, conhecida como “processo integrado de projeto”, ainda é timidamente praticada no Brasil, onde cada profissional tende a trabalhar de maneira isolada. O processo integrado envolve toda a gama de profissionais envolvidos nas grandes decisões de projeto, desde as etapas de concepção. Dessa forma, encontram-se oportunidades e soluções de design que cabeças ou pontos de vistas individuais não conseguiriam visualizar.
Arquitetos, engenheiros, incorporadores e construtores devem sempre desafiar o status quo do processo de produção de projeto, de maneira a encontrar soluções sustentáveis inovadoras. Soluções capazes de criar edifícios que, ao mesmo tempo em que contemplam a conservação ambiental, são também espaços vibrantes, capazes de encantar, proporcionar ao usuário uma experiência mais saudável, mais confortável e reduzido custo de operação.