Em entrevista ao Anuário de Certificações 2020 do Green Building Council Brasil – GBC Brasil, Marcelo Nudel, discute a relação do mercado imobiliário com os requisitos de desempenho térmico, lumínico e acústico da Norma de Desempenho.
O arquiteto e sócio-diretor da Ca2 Consultores aborda como as incorporadoras podem utilizar do desempenho elevado como instrumento de marketing e fidelização de clientes e como países desenvolvidos tratam essa questão do desempenho nas construções.
Os estudos de desempenho acústico já são práticas mais recorrentes no mercado residencial brasileiro, no entanto, as simulações de desempenho térmico e de luz natural ainda são vistas como simples demonstração de atendimento à norma.
A CA2 é uma empresa multidisciplinar de consultoria e projetos nas áreas de conforto ambiental, acústica, luminotécnica e sustentabilidade em edificações que atua junto aos arquitetos, incorporadores, construtores e proprietários na concepção de edifícios de alto desempenho. A empresa vem realizando simulações de desempenho térmico, acústico e luminoso nas edificações, seguindo a norma de desempenho (ABNT NBR 15.575:2013) ou indo além e simulando com foco no conforto.
A empresa é responsável pela consultoria de dois novos edifícios residenciais que serão construídos em São Paulo e foram registrados no GBC Condomínio. Para ambos foram realizados estudos de insolação e análise de implantação para a definição de estratégias bioclimáticas mais eficazes. A consultoria também está estudando soluções para envoltória de forma a atender a requisitos de eficiência térmica e lumínica além dos mínimos preconizados pela Norma de Desempenho e etiqueta Procel Edifica. Além disso, as obras empregarão materiais certificados de acordo com a norma ISO 4024 – Rotulagem Ambiental do Tipo I. As áreas comuns estão sendo projetadas com 100% de acessibilidade e todas as unidades serão adaptáveis, conforme a ABNT NBR 9050.
Segundo o arquiteto Marcelo Nudel, sócio-diretor da empresa, as simulações termodinâmicas (para desempenho térmico) e as de luz natural são práticas antigas e consolidadas em muitos países desenvolvidos. “Trabalhei na Austrália entre 2006 e 2012 e naquela época as simulações já eram comuns por lá e também nos Estados Unidos, Reino Unido, Singapura ou na União Europeia. Não apenas em razão de códigos de edificações que exigiam simulações, mas também porque o mercado já percebia que elas são importantes ferramentas para tomada de decisão em projetos, e não meros instrumentos para se produzir um laudo de atendimento”, afirma.
Simulação luminotécnica em empreendimento com consultoria da CA 2. Fonte: Marcelo Nudel
No Brasil, somente com a norma de desempenho para empreendimentos residenciais, de 2013, é que essa prática chegou à realidade dos projetos.
De acordo com Nudel, os estudos de desempenho acústico já são mais recorrentes e as incorporadoras têm focado no atendimento a essas exigências muito em função de reclamações passadas de seus clientes.
“No entanto, as simulações de desempenho térmico e de luz natural ainda são vistas como um misto de simples demonstração de atendimento à norma e uma ferramenta para informar pequenos ajustes de projeto, não sendo usadas para se aprimorar o desempenho de edifícios”, explica.
Uma eventual criação de normas de desempenho térmico e de luz natural para outras tipologias no país, deve mudar esse cenário. “Temos ainda que formar mais e melhores simuladores no país. Hoje são poucos, a maioria está concentrada em São Paulo e boa parte apresenta deficiências técnicas sérias. O mercado ainda vai compreender que fazer simulação não é só aprender a mexer num software. O simulador precisa ter um profundo conhecimento multidisciplinar de projetos, além de conhecer muito bem os conceitos da física de edificações e trocas de calor pela envoltória”, alerta.
Para Nudel, também é necessário demonstrar para incorporadoras e construtoras que sustentabilidade é bom para os negócios por meio da gestão de marcas, com foco na sustentabilidade real de empreendimentos, independentemente e além dos sistemas de certificação. “Não seria excelente para os negócios se uma empresa oferecesse um produto imobiliário que, devido a estratégias sustentáveis, economizasse o dinheiro dos moradores e usuários durante décadas ou pela vida toda? Acredito que no médio e longo prazo isso contribuiria para a construção de uma marca verdadeiramente sustentável e para a fidelização de clientes. Acredito que esse seja o caminho para construtoras e incorporadoras. Mas isso não se faz com um ou dois empreendimentos certificados. Isso se constrói ao longo de décadas”, explica.
A pressão do mercado por produtos mais sustentáveis também deve se intensificar nos próximos anos. Nudel destaca que a Geração Y, ou os Millenials, que têm hoje entre 25 e 40 anos, representam uma parcela importante do mercado e já estão mais atentos às questões de sustentabilidade. “Uma pesquisa da Nielsen de 2018 revelou que há uma lacuna enorme entre gerações em se tratando de potencial de compra de produtos sustentáveis. Os Millenials são duas vezes mais propensos do que os Baby Boomers (seus pais) a mudarem seus hábitos para reduzir seu impacto ambiental (75% x 34%). Eles também são mais propensos a pagar mais por produtos contendo componentes ou ingredientes mais sustentáveis ou de baixo impacto ambiental (90% x 61%) ou produtos que praticam responsabilidade social (80% x 48%). O próximo mercado consumidor, a Geração Z, formada hoje por pessoas com idade entre 14 e 24 anos, tende a ser ainda mais exigente ainda em se tratando de práticas sustentáveis”.
Veja a matéria: Anuário GBC 2020