Diversas soluções de projeto e tecnologias estão sendo previstas para garantir que as Arenas Cariocas conquistem a certificação Leed New Construction, do Leadership in Energy and Environmental Design. Mas, diferentemente de outras obras, a proposta de sustentabilidade do complexo teve de incorporar os requisitos específicos do Comitê Olímpico Internacional (COI). “Interpretar e incorporar esses requisitos ao que a certificação Leed exige não foi tarefa fácil. Alguns conflitos acabaram acontecendo, mas buscamos métodos alternativos junto ao conselho certificador, o USGBC [United States Green Building Council]”, conta o arquiteto e urbanista Marcelo Nudel, líder da equipe de sustentabilidade da Arup, empresa que atuou como consultora para a implementação das estratégias de sustentabilidade.
Segundo ele, a dimensão do projeto também constituiu grande desafio, principalmente conseguir atuar junto aos projetistas, para que as soluções sejam, de fato, implantadas e compatibilizadas. “Em uma obra com porte maior, são mais equipes trabalhando, portanto o desafio se multiplica”, observa Nudel. Em entrevista a Gisele Cichinelli, da revista FINESTRA, ele conta quais são as medidas previstas para a obtenção da certificação e o impacto que terão na obra.
Quais são as certificações ambientais pretendidas para as três arenas do Parque Olímpico?
Estamos prevendo a Leed New Construction. A ideia é que as arenas sejam certificadas como um edifício único porque a sua estrutura se comporta de forma integrada e possui uma mesma envoltória. Essa certificação, especificamente, é aplicada às edificações não especulativas que serão ocupadas e geridas pelo proprietário.
Quais são os critérios avaliados nessa certificação?
O Leed possui cinco categorias de estratégias e a ideia da certificação é conseguir, da forma mais holística possível, atuar em todas elas. A primeira diz respeito à sustentabilidade dos terrenos. Outra categoria é uso racional da água, que envolve todas as condicionantes de projeto que garantam redução de consumo desse item. Isso se aplica também à categoria de energia e atmosfera, com diminuição de consumo energético durante a operação através de estratégias de projeto e gestão de gases refrigerantes. Deve ser prevista ainda a especificação de materiais com baixo impacto ao meio ambiente e à saúde humana. Essa categoria também trata de reciclagem de materiais na obra e sua destinação ao reúso em outros canteiros. Por fim, é preciso garantir a qualidade de ar interna e conforto térmico. Existe, além disso, a categoria que premia projetos que excedam todos os referenciais de desempenho e adotem tecnologias e processos de projeto inovadores.
Quais foram os principais desafios para a implementação das estratégias sustentáveis nesse projeto?
O porte da obra, por si só, era um desafio. O canteiro de obras é muito grande. A certificação Leed estabelece um limite “fictício” para o terreno. Em um bloco urbano é possível estabelecer esse limite, mas dentro de um parque olímpico o limite é meramente formal para efeito de certificação. A área de atuação é enorme, portanto tivemos de observar todas as interferências que ocorrem entre os terrenos. Há diversas obras e construtoras atuando em conjunto. Mas o grande desafio, sem dúvida, foi atender às exigências do COI.
E quais são elas?
As exigências de iluminação nas zonas dos esportes [field of play, ou seja, a zona onde o esporte está sendo praticado, quadras, zona das lutas etc.] são bastante restritivas e muitas vezes conflitam com as exigências do Leed. O Leed New Construction, sendo uma ferramenta que pode ser aplicada às diversas tipologias, não pode prever todas as situações. Assim, fez-se necessário o uso de uma ferramenta já prevista na metodologia Leed, que é o CIR [Credit Interpretation Ruling]. Trata-se de um mecanismo formal de consulta e interpretação de créditos que se faz ao órgão certificador que permite, dentro de critérios técnicos muito rigorosos, encontrar soluções para exigências conflitantes como essas.
Em que fase está o processo de certificação das arenas?
Acabamos de fazer a verificação do projeto executivo e de emitir nossos comentários. Temos uma visão de como o projeto se comporta até essa fase.
Nessa obra especificamente, foram previstas soluções que são consideradas inovadoras?
Estamos prevendo, através de cálculos e das estratégias sugeridas, que o referencial para redução de consumo de água será excedido. Se o projeto for executado conforme as orientações e especificações, será possível alcançar até 70% de redução nesse item. Nos empreendimentos padrão, esse indicador gira em torno de 40%.
Quais medidas estão sendo previstas para garantir redução tão substancial?
A primeira é a adoção de dispositivos hidrossanitários de baixo consumo de água, como bacias de duplo acionamento [de três e seis litros] e chuveiros e torneiras » com vazão reduzida, por temporizadores e sensores de presença. Com essas medidas, é possível atingir 20% de redução de consumo. A segunda estratégia é contar com um paisagismo eficiente, a começar pela seleção inteligente das espécies vegetais, que devem ser adaptadas ao clima local. Outra solução é adotar sistemas eficientes de irrigação. O ideal é abrir mão das soluções de aspersão, como os sprinklers, e utilizar os sistemas enterrados [subsoil] por gotejamento. Nestes, o ponto de consumo, ou seja, as raízes, fica perto do suprimento de água. Também é possível lançar mão de sensores para identificar quando o solo precisa de umidade. Esses sistemas estão previstos para as principais áreas dentro dos limites dos halls das três arenas.
Há previsão para implantação de sistemas de reúso de água da chuva?
Sim, e o interessante é notar que nesse projeto, especificamente, há um potencial enorme para a captação de água de chuvas, devido à grande área de cobertura.
Além dos sistemas para redução de consumo de água, quais outros serão usados para garantir um desempenho sustentável do conjunto arquitetônico?
O Leed possui um peso grande em energia, categoria que oferece o maior número de pontos para a certificação. O referencial de desempenho usado é a norma Ashrae americana, que é muito mais rigorosa do que as práticas convencionais adotadas no Brasil. Quando se atingem esses pré-requisitos de energia, o edifício está acima da média das demais edificações brasileiras.
Nesse projeto, quais foram as estratégias utilizadas para a redução de consumo de energia nas arenas?
Em um projeto como esse, ao contrário do que acontece com edifícios de escritórios, a influência da envoltória é muito menor, porque a área de fachada é reduzida. Por isso, além de tratar as coberturas e fachadas, buscamos trabalhar com tecnologias e sistemas prediais, com foco maior no uso de equipamentos. A iluminação é um item que contribui bastante em uma edificação como essa, por isso previmos em projeto alguns elementos para os espaços comuns, como sistemas de desligamento automático e sensores de presença. Para a iluminação de áreas externas, previmos o uso de relé fotossensível, que “entende” quando a luz natural é suficiente e só aciona a artificial se necessário. Houve um esforço muito grande para reduzir a densidade de potência de iluminação de todas as áreas.
De que forma?
Existem critérios do Comitê Olímpico bastante rigorosos para a iluminação das áreas esportivas, mas em todas as demais áreas onde esses critérios não eram aplicáveis buscamos reduzir ao máximo a potência instalada. Estamos prevendo a utilização de iluminação de baixo consumo. A iluminação de fachada também é reduzida, pois a iluminação cênica não é um foco de projetos que almejam a certificação Leed. Também estão sendo previstos equipamentos de ar condicionado de alta eficiência, assim como motores, bombas e sistemas de aquecedores de água. Há ainda a previsão para um processo de comissionamento dos sistemas energizados que deverá verificar se os equipamentos foram instalados e calibrados de modo correto, a fim de tentar assegurar que as soluções propostas estarão em plena operação.
Qual é a previsão de redução do consumo de energia com essas medidas?
Trabalhamos como meta uma redução de 12%. Esse número é menos impressionante do que o de redução com consumo de água, mas cabe destacar que ele tem como referencial de desempenho a norma Ashrae, ou seja, comparado aos valores de um edifício referência que seguem as normas de eficiência americanas, muito mais rigorosas, conforme dito anteriormente.
Soluções para economia de água e energia também foram previstas na etapa de execução das obras?
Essa é uma pergunta que não posso responder, pois esses cuidados pertencem ao escopo de trabalho das construtoras. A certificação Leed não leva em consideração a redução de consumo de energia e água durante a fase de construção.
Foram usados materiais com impacto ambiental reduzido?
No tocante aos materiais, é importante destacar que, especificados no projeto inicial, são os itens que mais sofrem interferências ao longo da obra. No projeto, procuramos especificar concreto com conteúdo reciclado, sobretudo na pavimentação, onde não há riscos de prejuízo estrutural. Também foram especificados materiais regionais, preferencialmente produzidos em um raio máximo de 800 quilômetros da obra. Esse tipo de produto é bastante valorizado pela certificação, pois o impacto gerado no transporte de materiais até o canteiro é enorme. Há uma preocupação com a qualidade do ambiente interno, portanto privilegiamos o uso de tintas e selantes com baixo teor de compostos voláteis.
O que prevê o plano de gestão de resíduos que está sendo aplicado no canteiro de obras das arenas?
O plano elaborado tem como meta original a destinação à reciclagem de pelo menos 75% de todos os resíduos provenientes da construção. Para isso são necessárias áreas de triagem, organização de baias por tipos de resíduos, classificação destes de acordo com o Conama e o controle do transporte até o destino, bem como a capacitação dos trabalhadores da obra.
Como os resíduos são separados, reciclados e destinados?
Alguns, dependendo da fase da obra, precisam ser triados. Após essa etapa, os resíduos são armazenados em caçambas ou baias e identificados para posterior envio às usinas de reciclagem. No Rio de Janeiro existem locais licenciados pela prefeitura que fazem reciclagem ou destinam ao reúso. Os resíduos não recicláveis ou perigosos, segundo a resolução Conama, devem ser manipulados e destinados apropriadamente de forma a não oferecer risco de contaminação futura ao meio ambiente e ao ser humano.
Há dados de redução do desperdício na obra em função do gerenciamento de resíduos?
Não possuímos dados específicos nesse caso, até porque a obra ainda está em curso. Mas podemos citar que as oportunidades de redução de desperdícios em obra se iniciam durante a concepção do projeto. O planejamento é a melhor estratégia. Portanto, se pensarmos na redução de desperdícios na hora da execução, já perdemos as melhores oportunidades. Um projeto executivo completo, bem compatibilizado e, principalmente, sem falhas é condição fundamental. Por mais que pareça óbvio, é comum o início de obras, principalmente as de menor porte, sem as condições mínimas adequadas de um projeto executivo. Tentar resolver problemas de projeto durante a obra é sinal verde para o desperdício.
Quais as soluções possíveis que podem ser implantadas em projeto?
Durante o projeto pode-se pensar na modulação de partes do edifício em função de elementos construtivos disponíveis no mercado, evitando perdas em obra. Desperdício não é apenas aquilo que enxergamos como resíduo ou dejeto, mas aquilo que fica embutido desnecessariamente nos edifícios. O adequado dimensionamento das estruturas, evitando quantidades excessivas de concreto e aço, é também estratégico. Uma vez reduzidas as chances de desperdício durante o projeto, deve-se focar em planejamento de obra através da ativação de equipes especializadas em planejamento e administração de materiais e planejamento de compras. Iniciada a obra, deve-se focar em deslocamento adequado, organização e limpeza do canteiro e armazenamento correto. O último recurso, quando de fato resíduos foram gerados, é pensar em reúso e reciclagem.
Fonte: arcoweb.com.br/finestra/entrevista/entrevista-marcelo-nudel-lider-equipe-sustentabilidade-arup