A capacidade ou inércia térmica é uma unidade que nos mostra o quanto de calor o sistema construtivo “captura” do ar interno, ela é dada em kJ (quilojoule) por metro² vezes Kelvin, a fórmula é: kJ/m².K .
Em outras palavras, a capacidade térmica nos informa a quantidade de calor que deve ser absorvida ou cedida por um corpo para que ocorra a variação de 1º.
Para projetar com conforto térmico é fundamental que o profissional conheça o conceito de inércia térmica ou capacidade térmica na arquitetura (não confundir com isolamento térmico). Nesse artigo, apresento de forma muito didática o conceito de inércia térmica para paredes e coberturas e como você pode calcular em seus projetos.
Materiais com alta capacidade térmica necessitam de muito calor para ter a sua temperatura elevada. Isso significa que eles absorvem e e armazenam calor dentro da sua estrutura.
Alguns exemplos de materiais com alta capacidade térmica são: o concreto, as rochas e a própria água. Quando você entra em um edifício em concreto aparente, você sentirá uma sensação térmica um pouco mais baixa. Isso ocorre porque todo esse concreto aparente rouba calor do seu ambiente, fazendo portanto com que sua temperatura seja reduzida.
Materiais com alta capacidade térmica, quando expostos a altas temperaturas, “roubam” o calor desse ambiente e o armazenam em sua estrutura durante algumas horas. Isso é o mesmo que dizer, que esses materiais são bons armazenadores de calor.
Já materiais com baixa capacidade ou inércia térmica são maus armazenadores de calor.
Vamos entender agora a diferença entre inércia térmica e isolamento térmico. Imagine no verão, uma laje de concreto aparente, recebendo o calor da radiação solar durante o dia. Muitas vezes esse calor entre pela janela através de radiação direta, ou mesmo através do ar quente que entra e aquece o espaço. A inércia térmica faz com que o material absorva esse calor durante o dia, e retira o calor dos espaços, reduzindo a temperatura.
O calor ficará armazenado por até cerca de 8 horas dependendo da composição e espessura do concreto, e durante a noite ele irá procurar um meio mais frio para se dissipar.
No período da noite, quando a temperatura externa é menor, o calor irá sair através de ventilação natural com janelas bem dimensionados e bem localizadas.
Com as aberturas, é possível expulsar o calor substituindo-o por um ar mais frio vindo do exterior. Já no inverno, a situação se inverte, o calor armazenado no piso, paredes ou tetos de concreto poderá ser mantido dentro do espaço mantendo as janelas fechadas. É nesse momento que entra o isolamento térmico com o objetivo de “segurar” esse calor dentro do espaço.
O gráfico abaixo é fundamental para entender o que a inércia térmica faz com a temperatura nos espaços, e enxergar a variação de temperatura que ocorre entre o dia e a noite. No eixo x estão as horas do dia e a variação dia e noite, no eixo y está a variação de temperatura do ar.
Perceba a grande variação de temperatura na linha vermelha. Durante à noite, a temperatura fica abaixo dos 15°. Nessa localidade específica, a temperatura externa durante o dia (linha vermelha) chega aos 30°. Essa variação entre a mínima e a máxima da temperatura externa de uma determinada localidade, chamamos de amplitude térmica diária.
É importante você saber que quanto maior essa amplitude térmica, maior vai ser o benefício que a inércia térmica trará para o seu projeto.
Na linha verde estão os limites típicos de conforto térmico para uma determinada localidade. Aqui temos uma banda que vai dos 20° até os 25°. Quando a temperatura externa marcada pela linha vermelha no período da noite é muito baixa, fora da zona de conforto, as temperaturas ficam muito abaixo da sensação térmica ideal e durante o dia, ficam muito superiores à sensação térmica ideal.
A linha azul mostra a temperatura interna de um espaço com alta inércia térmica. Perceba que as máximas e as mínimas estão muito mais próximas e estão dentro da zona de conforto. Logo, um dos benefícios da inércia térmica no espaço é achatar a amplitude térmica, ela faz com que as máximas e as mínimas fiquem mais próximas da nossa zona de conforto.
Além desse achatamento observado no gráfico, existe um atraso, em inglês chamamos de tim e-lag, que é um atraso das temperaturas máximas no espaço. Esse efeito ocorre justamente pela capacidade do concreto em armazenar calor e liberar algumas horas depois. É assim que a inércia térmica ajuda na manutenção e nas condições de conforto.
Esse outro gráfico abaixo também é interessante para entender a capacidade. O eixo x mostra as horas do dia e no eixo y temos as temperaturas. A linha verde representa a variação de temperatura do ar externo, a linha azul representa um ambiente com baixa inércia térmica e a linha marrom representa um ambiente com alta inércia térmica.
Perceba que quanto maior a inércia térmica no ambiente, maior é o atraso e também maior é o achatamento das temperaturas limites (tanto mais baixas quanto mais altas).
Veja alguns exemplos de capacidade térmica de alguns materiais típicos da construção brasileira. A norma de desempenho (nbr 15575) exige no seu método simplificado para demonstração de desempenho térmico, limites mínimos de capacidade térmica de paredes, maior ou igual a 130.
O concreto maciço de 10 cm possui capacidade térmica de 240 kJ (quilojoule) por metro quadrado de kelvin, ou seja, é uma capacidade de térmica bastante alta e superior ao que a norma de desempenho exige.
Uma parede de bloco de concreto vazado de 14cm revestido com argamassa dos dois lados tem uma capacidade térmica ainda maior, de 272 kJ/m².K .
Já as alvenarias de cerâmica possuem capacidade térmica muito menores. Vejamos os exemplos: um bloco cerâmico vazado de 9cm com argamassa dos dois lados tem uma capacidade térmica de 150, ou seja, acima do que a norma exige. Isso ocorre em função da argamassa de cimento. Quando substituímos uma das argamassas de cimento de um dos lados e aplicamos gesso, a capacidade térmica cai para 120, ou seja, fora do número que a norma exige. E mesmo aumentando o bloco cerâmico de 9 para 14 cm mas mantendo os acabamentos de cimento e gesso, a capacidade térmica aumenta de 120 para 125.
Nesse link há um catálogo disponibilizado gratuitamente na internet com os valores de capacidade térmica e também de transmitância térmica (medida que está relacionada com o nível de isolamento térmico dos materiais e dos componentes típicos).
No caso de São Paulo ou em alguns locais na região sul do Brasil, há uma grande diferença nas temperaturas do dia e da noite. Nesses casos, o uso de inércia térmica é muito mais recomendado. O ideal é trabalhar a inércia térmica juntamente com o isolamento térmico do lado externo (que pode ser colocado com uma placa de EPS ou até um elemento composto de poliuretano. Desta forma, o sistema não perde a capacidade de armazenar o calor.
Telhas de poliuretano por exemplo, que podem ser instaladas na fachada, são importantes para que o isolamento térmico fique do lado de fora e a inércia térmica do lado de dentro, assim você consegue capturar esse calor e não perder essa propriedade que é tão importante na manutenção do conforto térmico em algumas regiões do brasil.
Um abraço
Marcelo Nudel
Sobre o Autor: Marcelo Nudel, diretor geral da Ca2 é arquiteto formado pela Universidade Mackenzie e pós graduado em Sustainable Architectural Science pela Universidade de Sydney, Austrália. Esteve envolvido em projetos multidisciplinares de edifícios que integram estratégias térmicas passivas, luz natural e desempenho energético em países como Austrália, Espanha, Estados Unidos e Brasil. Lecionou nos cursos de graduação e pós em arquitetura e urbanismo na Escola da Cidade e Universidade Mackenzie. Marcelo Nudel possui acreditação como EDGE Expert, qualificando-o para atuar como consultor para certificação EDGE para greenbuildings.
Confira também: Requisitos de Desempenho Térmico da NBR 15.575